O Ironman Brasil passou. Depois de meses, ou até anos, de treinos intensos, planilhas, renúncias e expectativas, a grande prova chegou, foi vivida, sentida, superada. E agora?
Agora, para muitos atletas, o que vem é um certo vazio. Um silêncio interno. Uma dificuldade de voltar aos treinos, como se o corpo ainda estivesse lá na prova, mas a mente já não soubesse exatamente onde está. “Tô meio sem saco pra treinar”, é uma frase comum nesses dias. Não é preguiça, nem falta de disciplina. É algo mais profundo. Um luto subjetivo.
Esse fenômeno é conhecido como post-race blues. O termo não é um diagnóstico clínico, mas uma expressão amplamente usada na Psicologia do Esporte para descrever esse estado emocional de baixa que muitos atletas vivem depois de uma competição importante. Ele pode se manifestar como desânimo, falta de motivação, tristeza leve, irritação, sensação de desconexão, sintomas que se parecem com uma depressão leve, mas que, na maioria das vezes, têm uma origem diferente.
Durante o ciclo de preparação, tudo gira em torno da prova: os treinos têm sentido, a rotina tem propósito, cada dia é um passo na direção de algo maior. O corpo e a mente trabalham juntos, investem energia, desejo, tempo. E esse investimento, que na psicanálise chamamos de investimento libidinal, cria uma estrutura simbólica forte o suficiente para sustentar o esforço. Quando a prova acaba, esse eixo se desfaz. O objeto do desejo se foi. E o atleta se vê meio perdido, sem saber como ocupar esse novo espaço que se abriu.
É como um pequeno luto. A prova termina, mas o psiquismo ainda precisa organizar o que foi vivido. E, por mais incômodo que esse momento possa parecer, ele pode ser justamente o que nos permite parar, escutar e reorganizar internamente. O post-race blues pode ser, na verdade, um tempo fértil de introspecção, um espaço simbólico de elaboração. Ali, onde antes havia foco e tensão, nasce a chance de refletir: o que foi que eu vivi? O que isso mudou em mim? O que eu quero daqui pra frente?
Nem todo vazio precisa ser preenchido de imediato. Às vezes, ele só precisa ser escutado. E cuidar desse momento começa justamente por aí: reconhecendo que ele é legítimo. Você não precisa se cobrar disposição total, nem se forçar a voltar com tudo. Validar o que está sentindo já é um gesto de cuidado com sua saúde mental e emocional.
Dar tempo ao tempo também é essencial. A pressa por encontrar uma nova prova, um novo objetivo, pode ser só uma tentativa de fugir do silêncio. E esse silêncio, por mais incômodo que pareça, pode estar carregado de sentido. Permita-se atravessá-lo, ele também fala sobre você.
Outra forma de cuidado é retomar os treinos de maneira mais leve, sem a exigência imediata de performance. Talvez, por um tempo, o foco não precise ser um novo pódio, mas sim o prazer do movimento. Correr, nadar ou pedalar simplesmente porque se gosta, sem planilha, sem número, sem cobrança. Apenas pelo prazer de existir em movimento.
E, claro, contar com apoio psicológico quando necessário faz toda a diferença. A escuta profissional pode ajudar a dar nome ao que está confuso, reorganizar as emoções e abrir espaço para o novo. Porque às vezes o maior desafio não está em terminar uma prova, mas em viver o que vem depois dela.
No fim das contas, cruzar a linha de chegada é só uma parte da jornada. A outra parte, talvez mais silenciosa, é a travessia que vem depois, aquela que não rende medalha, mas que, quando bem vivida, nos leva a lugares internos muito mais profundos.
Materia publicada no Mundotri - 2 de julho de 2025
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